Por Fernando Torres Doizum Comunicações
O terroir mineiro entrou, definitivamente, para o radar da enologia. Com dias ensolarados, noites frias e solo seco, profundo e semi argiloso, a tradicional região cafeeira, no Sul do estado, desponta também como polo de produção vinícola, especialmente com as uvas Syrah e Sauvignon Blanc. São os chamados vinhos de inverno, de cor intensa, acidez marcante e, no caso dos tintos, taninos maduros e macios.
A inesperada virtude das cepas deve-se à tecnologia da dupla poda, desenvolvida pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), no campo experimental do município de Caldas, a 30 km de Poços de Caldas. Para driblar as chuvas e o calor dos primeiros meses do ano, a técnica desloca o ciclo da uva do verão para o inverno. “Fizemos uma poda de formação dos ramos entre agosto e setembro. Quando eles atingiram a maturação, em janeiro, realizamos o segundo corte. Assim, as brotações se desenvolvem a partir de fevereiro, e os frutos maturam no fim das chuvas, para serem colhidos entre junho e julho”, explica o engenheiro agrônomo PhD Murillo Albuquerque Regina, responsável pelo desenvolvimento do método no período em que coordenou o “Programa Estadual de Vitivinicultura”, da Epamig.
Atualmente, Murillo é presidente da Associação Nacional dos Produtores de Vinho de Inverno (Anprovin), que conta com 37 vinícolas associadas. Destas, 20 são em território mineiro. Sediada na Fazenda da Fé, em Três Corações, a vinícola Estrada Real foi pioneira ao empregar a técnica, em 2001, a partir de experiências do próprio Murillo Regina e dos sócios Marcos Arruda, Patrick Arsicaud e Thibaud Salettes. A 900 m de altitude, a área inicial de 300 plantas resultou no rótulo Primeira Estrada Syrah 2010, com 10 mil garrafas. A safra, envelhecida em barricas de carvalho francês por 12 meses, foi uma surpresa para os enólogos, que destacaram o aroma tostado da pimenta e o porte encorpado.
Desde então, a Estrada Real tem acumulado conquistas. A exemplo das medalhas de Grande Ouro na “Wines of Brazil Awards 2020”, com o rótulo Primeira Estrada Syrah Gran Reserva 2018, que alçou o posto de Melhor Syrah do Brasil; e da medalha de bronze para o espumante Carvalho Branco, na “Decanter World Wine Awards”, também em 2020.
A multiplicação do vinho
Com a disseminação da técnica da dupla poda, os vinhedos começaram a se multiplicar em Minas. Quem também alcançou muita projeção é a vinícola Maria, Maria, da Fazenda Capetinga, de Boa Esperança, de 21 hectares. Os prêmios se acumulam desde que o rótulo Maria Maria Bel Sauvignon Blanc 2015 abocanhou a medalha de bronze, com 86 pontos, no renomado concurso da “Decanter World Wine Awards” de 2017, em Londres. Em 2019, foi a vez da medalha de prata, na mesma premiação, desta vez para o tinto Syrah Diana 2017 e o espumante Sous Les Escaliers 2018: ambos conquistaram 90 pontos do júri. Já na edição de 2021, a prata veio para o Sauvignon Blanc Fernanda 2020; e o bronze para o Gran Reserva Donita 2017, um blend de Syrah e Cabernet Sauvignon.
O nome da vinícola, como o leitor pode imaginar, faz relação com a música de Milton Nascimento, filho adotivo e honoris causa de Três Pontas, que fica a menos de 40 km da vinícola. “Somos amigos próximos. Sempre que ele vem à cidade, visita a fazenda. Quando viu o parreiral, em 2009, disse que eu era doido, que nunca havia visto plantação de uva em Minas”, diverte-se o produtor Eduardo Junqueira, herdeiro de uma tradicional família de cafeicultores. Outra curiosidade é que os vinhos, obtidos a partir da safra de 2012, sempre são batizados com nomes de mulheres. “Como na criação de cavalos e gados, a nomeação vem sempre em ordem alfabética. Nossas primeiras safras foram o Agda Syrah 2013, nome de minha bisavó; Ada Sauvignon Blanc 2013, em homenagem à minha tia-avó; e Anne Rosé 2013, à minha cunhada”, conta Junqueira.
A linhagem italiana também dá tom à Casa Geraldo, de Andradas, com quase meio século. “Já somos a quinta geração da família a dar continuidade à cultura e à produção de vinhos”, orgulha-se o diretor administrativo Michel Marcon. Com 45 hectares plantados a 800 m de altitude e produção de 1,3 milhão de litros por ano, a marca ganhou força com vinhos de mesa e sucos, mas, na última década, passou também a apostar em vinhos finos e espumantes.
A empresa também já recebeu medalhas: em 2016, o Alma Sauvignon Blanc 2012 levou o Duplo Ouro no “Concurso Mundial de Vinhos de Bruxelas”, na Bélgica, enquanto o Prosecco Brut conquistou o ouro. “A dupla poda inovou e impulsionou nossa produção de vinhos finos. O sistema é feito de modo a extrair todo o potencial da fruta. Além disso, o Brasil não encontra um terroir tão específico como o nosso, que agrega tanta maturação ao fruto”, afirma Marcon.
Em Cordislândia, a 60 km de Três Corações, a vinícola Luiz Porto detém um horizonte de 15 hectares, com mudas importadas de Bordeaux, na França. “O objetivo do meu pai, o fundador Luiz Porto, era elaborar vinhos nunca vistos em terras brasileira”, conta o diretor-presidente Luiz Porto Junior. Infelizmente, o patriarca não chegou a ver o sonho realizado, mas, hoje, a empresa tem dez rótulos nas linhas Dom de Minas e Luiz Porto, nas variedades Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Syrah, Sauvignon Blanc, Cabernet Franc, Merlot, Moscatel, Brut e Rosé. Com área de envelhecimento em Tiradentes, a boa fama do vinho rendeu parcerias com chefs renomados, como Leo Paixão e Carlos Bertolazzi. “Embora os espumantes não passem pelo processo de dupla poda, o Luiz Porto Brut é um dos mais prestigiados da casa”, diz Junior.
Outros produtores menores também apostam no terroir à mineira. É o caso da vinícola Dos Montes, na Fazenda Guarará, em Santana dos Montes, a 40 km de Conselheiro Lafaiete. “Desde 2008, plantamos 4,8 hectares, com as variedades Syrah, Cabernet Franc, Sauvignon Blanc e Tempranillo”, enumera o fazendeiro Aloísio Rodrigues.
Já a Villa Mosconi, em Andradas, busca se especializar em espumantes, com o cultivo das uvas Chardonnay, Pinot Noir e Riesling. As bebidas são elaboradas pelo método tradicional, o champenoise, instituído na região de Champanhe, na França.
“Este mercado é realmente promissor”, atesta a enóloga Isabela Peregrino, da Epamig. “Com a entrada de mais produtores, a oferta será bem maior nos próximos anos, focada em qualidade”, afirma. A profissional destaca a inserção da ainda incipiente uva Viognier. “Prima branca da Syrah, ela tem se adaptado muito bem à dupla poda e promete gerar vinhos bem robustos”, projeta.
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