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As singularidades e potências dos queijos artesanais de Minas

Por Eduardo Girão (BH) Jornalista, especialista em queijos e empreendedor

Produção de queijo Minas Artesanal na fazenda Braúnas em Diamantina. Foto: Eduardo Girão

Minas Gerais produz queijos há cerca de três séculos, de vários tipos, e todos com amplo reconhecimento popular em se tratando de tipicidade e qualidade. Por esse motivo, os queijos do estado formam um território produtor pujante. O tripé que o alicerça, composto por tradição, diversidade e qualidade, não pode ser encontrado em nenhuma outra região do Brasil. A grande razão de ser dessa singularidade é o cruzamento cultural que houve em terras mineiras.


O povoamento do estado a partir da descoberta de riquezas minerais, no final do século 17, estimulou o surgimento de várias atividades de subsistência e econômicas, entre elas a produção de alimentos, como leite e seus derivados. Nesse momento, os portugueses foram a única fonte de conhecimento para se produzir queijos. Bem mais adiante, outros povos europeus contribuíram significativamente para o florescimento da cena queijeira local, como holandeses, dinamarqueses, italianos e franceses.


Em relação aos portugueses, além de terem sido a primeira influência, deram origem aqui ao queijo que hoje conhecemos como Queijo Minas Artesanal. Enquanto alguns estudiosos afirmam que seu modo de fazer está relacionado às práticas queijeiras da Serra da Estrela, outros sustentam que a conexão é com o arquipélago dos Açores, mais precisamente a Ilha do Pico.


Hoje é um queijo produzido no estado praticamente todo e até o momento com dez microrregiões produtoras reconhecidas oficialmente a partir dos estudos de caracterização da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG). A famosa Canastra é apenas uma delas, ao lado de Araxá, Campo das Vertentes, Cerrado, Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Serra do Salitre, Serras de Ibitipoca, Serro e Triângulo Mineiro. Cada uma tem suas características naturais e culturais que definem o produto final.


Produção de queijo Minas Artesanal na fazenda Braúnas em Diamantina. Foto: Eduardo Girão

Produção de queijo Minas Artesanal na fazenda Braúnas em Diamantina


O Queijo Minas Artesanal é produzido com leite cru de vacas da propriedade onde está a queijaria, uso do pingo (fermento natural), prensado manualmente, salgado a seco e maturado em prateleira de madeira. Seu modo de fazer foi registrado como Patrimônio da Cultura Imaterial pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) em 2002 (região do Serro) e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2008, contemplando as regiões do Serro, Canastra e Serra do Salitre (todas as demais foram incluídas ano passado). Atualmente o governo busca o reconhecimento também como Patrimônio Imaterial da Humanidade junto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.


Importante ressaltar que Queijo Minas Artesanal não é uma expressão genérica para designar queijos produzidos artesanalmente no estado, mas um tipo específico de queijo (assim como falamos em Parmesão, Muçarela ou Brie, por exemplo). Ele é, na verdade, um dos queijos artesanais de Minas Gerais, ao lado de exemplares como Requeijão Moreno, Cabacinha e os queijos da Serra da Mantiqueira. Aí é que surgem outros povos europeus que contribuíram para a riqueza láctea mineira.


Já no final do século 19, entram em cena os holandeses. Com o potencial agrícola brasileiro avaliado como subexplorado, o governo brasileiro enxergava oportunidade de crescimento no setor e um dos marcos desse período foi a introdução do gado holandês em Santos Dumont (MG). Não por acaso, mestres queijeiros da Holanda vieram trabalhar na primeira indústria de laticínios do país, criada por Carlos de Sá Fortes na cidade, em 1888. Lá nasceu o Queijo do Reino e a primeira fábrica de coalho da América do Sul, a Coalho Frísia.


Pouco adiante, no início do século 20, começaram a chegar os primeiros dinamarqueses ao Brasil. Instalados no sul de Minas, criaram indústrias queijeiras, desenvolveram equipamentos e introduziram estilos que permitiram diversificar a oferta de queijos no mercado brasileiro (e não só de modelo europeu). Assim foi criado, por exemplo, o queijo prato, bem como produzido de forma pioneira no país um queijo de mofo azul (inicialmente chamado de Roquefort, embora fosse mais parecido com o Gorgonzola). Tudo isso também convergiu para o aprimoramento da produção queijeira do Brasil de forma geral.


Embora os italianos tenham começado a chegar ao Brasil antes, a partir dos anos 1870, a sua influência sobre a produção de queijos em Minas só começou a ser sentida décadas depois. A difusão de queijos de massa filada (Muçarela, Provolone e Caciocavallo) foi o principal episódio deste capítulo, embora hoje tenham mais destaque o Queijo Artesanal de Alagoa e o Queijo Artesanal Mantiqueira de Minas, ambos desenvolvidos aqui por imigrantes italianos há cerca de um século, na Serra da Mantiqueira.


Por fim, os franceses. Desde o princípio, eles moldaram os costumes da elite brasileira com desejo de europeização que inclui, entre outros pontos, hábitos alimentares (e o queijo é parte importante disso). Para além da constante oferta de queijos da França no mercado nacional, mais recentemente a participação brasileira em edições do concurso internacional de queijos Mondial du Fromage e a presença de técnicos do país europeu em algumas regiões mineiras impactaram diretamente a produção local, estimulando outras formas de produzir e maturar, sobretudo, o Queijo Minas Artesanal.


Nesse caldeirão cultural, portanto, portugueses, holandeses, dinamarqueses, italianos e franceses misturam seus conhecimentos e dão origem, em Minas Gerais, a um cenário diverso e único no país. Indispensável não só para entender a história e movimentar a economia do estado, mas também para enxergar aquilo que conhecemos como identidade mineira.


Não há como pensar o mineiro sem sua comida, nem sua comida sem o queijo. E quando a compreensão do queijo mineiro abarca a real diversidade desse alimento (consequência da multiculturalidade), entender sua imensa importância para Minas se torna muito mais fácil.


 

Sobre o autor

Foto: Alexandre Guzanshe

Eduardo Girão é jornalista e especialista em queijos, premiado com a “Medalha do Dia do Estado de Minas Gerais” e o troféu “Eduardo Frieiro”. Ao lado da irmã, Denise, fundou a empresa Só Queijo Cura, pela qual promove eventos, presta consultorias, ministra palestras e produz conteúdo. É autor do mais completo levantamento cartográfico de queijos mineiros, o “Mapa do Queijo Especial de Minas Gerais”. Como repórter de gastronomia, atuou durante 13 anos no jornal “Estado de Minas”.


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