Por Fernando Torres Doizum Comunicações
Ambrosia, doce de figo, compotas, doce de leite, pé de moleque, queijadinha, goiabada, doces cristalizados. Os modos de fazer passaram por gerações e os séculos reforçaram uma das identidade de Minas, que até chega bordada à mesa. Os doces mineiros trazem e fazem história, atiçam o paladar, perpetuam-se, ganham o mundo com seu modo de preparo bem caseiro.
“As frutas que usamos nos doces vêm do quintal, só colocamos água e açúcar”, diz Maria Rita Dias de Paula, que faz doces cristalizados, em compotas, e bordados há mais de 40 anos, em Carmo do Rio Claro, no Sul de Minas. Aprendeu as técnicas de cristalização com a mãe, Maria Aparecida Dias, e a tia, Teresa Carvalho. “Herdei um tacho de cobre. Até o ex-presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, já comeu doce daqui.” Orgulhosa, afirma que o sertanejo Michel Teló também já se deliciou com seus produtos.
Hoje, Maria Rita lidera a Associação dos Artesãos e viu os doces bordados se tornarem patrimônio imaterial de Carmo do Rio Claro. Ela conta que tudo começou no Colégio e Escola Normal Sagrados Corações. No início do século 20, a estudante Ana Magalhães Vilela, a Nicota ou Nicotinha, teria feito, nesta escola, um doce de mamão cristalizado com sucos e levou para a mãe, dona Maria, que decidiu aperfeiçoá-lo, criando um formato artístico. Daí, vieram doces em modelos de flores, corações, troncos de árvores e, mais tarde, uma infinidade de desenhos e de letras.
Da também infinidade de frutas, as doceiras da cidade usam figo, abacaxi, mamão, laranja, goiaba e abóbora, que, depois, são mergulhadas em uma espessa calda de açúcar antes da secagem. “O mais procurado é o de figo”, revela Maria Rita. “Não usamos conservantes nos nossos doces”, faz questão de reforçar. É quase como preparado nos tempos da colonização, em que a diversidade de frutas impulsionou a fabricação de doces em Minas, para conservá-las por mais tempo. Eram tempos de aproveitar tudo o que a terra produzia, da jabuticaba ao marmelo, em uma época de ocupação rápida por causa do ouro.
Influência europeia
A apetitosa necessidade se propagou até nossos dias, acrescida da influência portuguesa. Está aí a ambrosia, um dos doces mais antigos de Minas. Ela aportou no Brasil entre os séculos 17 e 18, com as primeiras famílias vindas do reino de Portugal, no ciclo do ouro. Firmou-se por aqui a receita da dona Joana D´Arc, de 89 anos, a Dona Joaninha, que começou a fazer doces, em Araxá, no Alto Paranaíba, na década de 1970. Com os anos, o modo de fazer foi passado para o filho Luiz Augusto de Almeida e para a nora Maria Aparecida..
O leite é cozido por oito ou nove horas, tudo para refinar o gosto e amenizar a presença dos ovos. Mas não é só a ambrosia que ganhou o paladar de quem busca os doces da família. A grife Dona Joaninha possui, ainda, ameixinha de queijo, pé de moleque, marmelada, goiabada cremosa e na palha, cocada, bananada, rapadura com amendoim, doce de leite, de mamão ralado, de abóbora, de laranja, de cidra e de figo. As delícias tornaram-se uma marca na cidade e reforçam a tradição no estado, que se destaca pela doçaria .
Os doces mineiros têm sido transformados por chefs em sobremesas requintadas, com técnicas que exaltam ainda mais a cultura doceira de Minas. A goiabada cascão ganha ares franceses de crème brûlée; a mousse de chocolate tem a companhia da compota de limão; o semifreddo – iguaria gelada tradicional na Itália – é servido com doce de laranja, e por aí vai. Recentemente, até mesmo os doces funcionais de baixa caloria ganharam espaço. Não pode faltar, mesmo, o tradicional doce à mesa, ao lado de bolos, biscoitos, roscas e broas.
Iguarias para o café
Além dos doces, as quitandas também fazem parte da identidade mineira e não ficam restritas às nossas mesas e aos tradicionais cadernos de receitas. Seu protagonismo despertou na escritora Rosaly Senra o interesse pelas iguarias desde quando ia ao Festival da Quitanda, na histórica Congonhas, região Central de Minas. Quando ia à sua terra, conhecidos de Belo Horizonte encomendavam os produtos típicos da região. “Quis saber das receitas, mas os expositores não passaram, por serem registros de família.” Moradora de uma casa centenária no centro da cidade, Rosaly decidiu procurar os cadernos de receitas escritos à mão por avós e tias, iniciando uma vasta pesquisa.
Ela conseguiu reunir ingredientes e modos de fazer de 400 produtos, escrevendo o livro “Quitandas de Minas”. Com isso, ajudou a resgatar e a preservar esta tradição das famílias da região, das cidades históricas, e tornar mais conhecidos os segredos de tantas gostosuras. Ela, que declara “ não sou quitandeira”, lembra que, em Congonhas, prevalecem produtos feitos com fubá, milho-verde e mandioca.
A palavra quitanda, a propósito, vem do dialeto africano quimbundo, que significa tabuleiros em que se expõem as mercadorias de vendedores ambulantes. “Estes tabuleiros, ajuntados em certo lugar, como nas figuras de Jean-Baptiste Debret, de repente viram quitanda, lojinha que vai vender aquilo depois.” Em Minas, “era tudo o que se comia acompanhado pelo café da manhã”, como lembra Rosaly. Mas as quitandas ganharam os paladares na sobremesa e no lanche da tarde.
Minas são muitas
Minas possui, ainda, a jabuticaba de Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, transformada em doces, geleias e balas. São modos de fazer transmitidos de geração a geração, carregados do contexto histórico da cidade, que surgiu no século 18. “Hoje, os produtos já têm certificação de Indicação Geográfica (IG), na categoria Indicação de Procedência (IP), pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi)”, relata Elizabeth Antônia Torres Braga, que lidera, em Sabará, o grupo de produtores de jabuticaba e derivados. A meta é crescer e exportar seus produtos, feitos da jabuticaba-sabará, a mais doce entre as 20 espécies que existem no Brasil.
As quitandas estão, ainda, em São Tiago, no Campos das Vertentes, com seus biscoitos; em Paracatu, no Noroeste de Minas, com queijadinhas, desmamadas, bolos de domingo e assados em forno de barro. Há o biscoito frito em Igarapé; nas rosquinhas, bolos e biscoitos do distrito de Lapinha, em Lagoa Santa, na Grande Belo Horizonte; e em tantos outros lugares do estado. Cada região possui a sua especificidade, a sua vocação. Opções não faltam em Minas. Estão aí os doces e as quitandas, feitos artesanalmente, cheios de histórias e sabores para serem degustados e guardados na memória.
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